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Aumenta o nĂșmero de casos de violĂȘncia contra idosos no paĂ­s

Isolamento social aumentou nĂșmero de denĂșncias

Por Alana Gandra em 15/06/2021 às 11:13:26
Daniel Mello/Agência Brasil

Daniel Mello/Agência Brasil

As denĂșncias de violĂȘncia contra pessoas idosas representavam, em 2019, 30% do total de denĂșncias de violações de direitos humanos recebidas pelo canal telefônico Disque 100, disponibilizado pelo governo federal, o que somava em torno de 48,5 mil registros. Em 2018, o serviço recebeu 37,4 mil denĂșncias de crimes contra idosos.

No fim do ano passado, com o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, o nĂșmero observado em 2019 aumentou 53%, passando para 77,18 mil denĂșncias. No primeiro semestre de 2021, o Disque 100 jĂĄ registra mais de 33,6 mil casos de violações de direitos humanos contra o idoso, no Brasil.

Apesar de o Estatuto do Idoso, instituĂ­do pela Lei 10.741/2003, garantir direitos às pessoas com idade igual ou maior que 60 anos, com frequĂȘncia se tem notĂ­cia de quebra ou não do cumprimento de direitos bĂĄsicos, como à vida, à saĂșde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, à convivĂȘncia familiar e comunitĂĄria.

O Estatuto do Idoso descreve a violĂȘncia contra o idoso como qualquer ação ou omissão, praticada em local pĂșblico ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento fĂ­sico ou psicológico.

Medo ou vergonha

Muitos idosos, porém, não denunciam a violĂȘncia sofrida por medo ou por vergonha, uma vez que, na maioria das vezes, as agressões ocorrem jĂĄ hĂĄ bastante tempo e dentro do próprio domicĂ­lio. Por isso, o nĂșmero de denĂșncias feitas por meio do Disque 100 não corresponde inteiramente à verdade - é subnotificado.

A presidente da Câmara de TĂ­tulos de Especialização em Gerontologia, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a assistente social Naira Dutra Lemos, não vĂȘ o Dia Mundial de Conscientização da ViolĂȘncia contra a Pessoa Idosa, que ocorre hoje (15), como uma data de comemoração, mas de alerta. "Acho que é um dia para a gente pensar sobre o assunto, para dar visibilidade sobre o tema. Um dia para a gente parar, refletir e mobilizar nossas forças para pensar sobre isso", disse Naira à AgĂȘncia Brasil.

A SBGG lançou a campanha Junho Violeta e espalhou mensagens para os serviços de assistĂȘncia social, atendimento à saĂșde e universidades, incentivando alunos, profissionais e idosos a usar o laço roxo. "É uma mobilização que tem de ser de todos". Naira defendeu também que os idosos devem ser tratados com respeito pelos mais jovens, que devem se conscientizar de que não terão 20 anos para sempre e envelhecerão do mesmo modo. Para Naira Lemos, o 15 de junho é importante ainda para mostrar à população que a pandemia revelou um grande nĂșmero de casos de violĂȘncia contra idosos e mulheres no âmbito familiar.

Uma ação de proteção aos idosos é a Recomendação 46, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alertando os serviços notariais e de registro do Brasil a adotarem medidas preventivas para coibir a prĂĄtica de abusos contra pessoas idosas, especialmente vulnerĂĄveis, durante a pandemia. O objetivo da recomendação, divulgada em 22 de junho de 2020, era evitar violĂȘncia patrimonial ou financeira ao idoso nos casos de antecipação de herança, movimentação indevida de contas bancĂĄrias, venda de imóveis, tomada ilegal, mau uso ou ocultação de fundos, bens ou ativos e qualquer outra hipótese relacionada à exploração inapropriada ou ilegal de recursos financeiros e patrimoniais sem o devido consentimento do idoso.

Ações

A Secretaria Municipal do Envelhecimento SaudĂĄvel e Qualidade de Vida (SEMESQV) do Rio de Janeiro recebe denĂșncias de violações contra a pessoa idosa de vĂĄrios órgãos, entre eles a Ouvidoria da prefeitura (1746), o Ministério PĂșblico, a Defensoria PĂșblica, Delegacia do Idoso, o Juizado Criminal e outras ouvidorias. Por meio de uma visita à residĂȘncia do idoso, a secretaria verifica a procedĂȘncia da denĂșncia e emite um parecer técnico, disse à AgĂȘncia Brasil a assistente social do NĂșcleo de AssistĂȘncia de Promoção e Proteção Social da Secretaria, Sandra Polo.

Com o envelhecimento da população, muitos familiares não sabem como lidar com os seus idosos e recebem orientação do órgão municipal. "HĂĄ situações que são mais de conflito familiar e vão para a esfera pĂșblica quando se referem ao privado". Quando os casos precisam de desdobramento, a secretaria faz o encaminhamento necessĂĄrio, trabalhando no sentido de acabar com a violação ou trabalhar numa ótica de prevenção", firmou Sandra.

No fim do ano, a secretaria traça uma espécie de perfil da violĂȘncia. Esse perfil dĂĄ aos profissionais condições de saber quais foram as maiores violações e abusos praticados contra os idosos. O Ășltimo balanço, feito em 2019, mostrou que a violĂȘncia mais comum na capital fluminense foi a questão da negligĂȘncia, seguindo-se a violĂȘncia psicológica e moral, que envolve xingamentos e impedimento de o idoso receber visitas, abandono, abuso financeiro, com apropriação de um bem do idoso e, às vezes, até uma forma de convencimento do idoso de assinar documentação. A maior parte das pessoas idosas, vĂ­timas de agressões em 2019, era de mulheres (71%), enquanto os maiores agressores, por grau de parentesco, eram filhos (50%) e em 40% dos casos, o idoso residia com o agressor.

A secretaria tem também projeto de transferĂȘncia de renda para idosos em situação de vulnerabilidade social. "A gente concede um benefĂ­cio para esses idosos a fim de ajudar na questão financeira deles e da famĂ­lia, para que possam permanecer na comunidade onde residem, mantendo os vĂ­nculos. O objetivo é evitar maiores agravos.

A secretaria se preocupa também em reconhecer o potencial e a experiĂȘncia dessas pessoas. "Porque a gente sabe que quando se chega a uma faixa etĂĄria mais adiantada, hĂĄ a questão muito forte da discriminação. As pessoas com mais de 60 anos foram as que mais saĂ­ram do mercado de trabalho com essa história da pandemia. Foi o segmento mais afetado no sentido de contrair da doença. Tem maior risco de contaminação. Então, vocĂȘ acirra um preconceito que jĂĄ existe com relação às pessoas maiores de 60 anos".

Projeto de trabalho

A secretaria coloca essas pessoas fazendo acolhimento em hospitais, em visitas guiadas em museus e bibliotecas, trabalhando em outros equipamentos da prefeitura na parte administrativa. Sandra destacou que, no momento, devido à pandemia, esse projeto estĂĄ parado, aguardando a vacinação do maior nĂșmero de pessoas para evitar contĂĄgio. Redes sociais de apoio e a questão da convivĂȘncia são também trabalhados pela equipe, para evitar o isolamento e a autonegligĂȘncia dos idosos.

Hoje (15), em conjunto com a Secretaria Municipal de Transportes, a Secretaria de Envelhecimento SaudĂĄvel promove ação na Praça Saens Peña, na Tijuca, zona norte do Rio, para orientar os motoristas de ônibus e garantir transporte urbano adequado aos idosos. A iniciativa percorrerĂĄ shoppings das zonas norte e sul da cidade com o mesmo objetivo. Cartazes serão colocados na prefeitura, enquanto vĂ­deos serão divulgados nas redes sociais da administração municipal.

Envelhecimento

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂ­stica (IBGE), o Brasil mantém a tendĂȘncia de envelhecimento da população. Em 2019, os idosos somavam 32,9 milhões de pessoas, 6 milhões a mais que as crianças de até 9 anos de idade (26,9 milhões). Naquele ano, os idosos representavam 15,7% da população, enquanto as crianças até 9 anos de idade respondiam por 12,8%.

A primeira vez que o nĂșmero de idosos superou o de crianças foi em 2014: 13,5% da população tinham menos de 9 anos de idade, enquanto 13,6% tinham mais de 60 anos. A partir daĂ­, a diferença foi se acentuando. A estimativa do IBGE é que, em 2060, um em cada quatro brasileiros terĂĄ mais de 65 anos de idade.

O médico Paulo Renzo, da Coordenação de EmergĂȘncia Regional (CER) Ilha do Governador, do Hospital Municipal Evandro Freire, no Rio de Janeiro, destacou que o isolamento provocado pela pandemia, além de agravar as violações aos direitos dos idosos, favorece a ocorrĂȘncia de acidentes domésticos e o consequente atendimento de fraturas nos hospitais a essa parcela da população.

Perdas

"O confinamento, principalmente em relação aos idosos, causa impacto direto no aumento de acidentes domésticos. A nova condição de isolamento social, sem os devidos cuidados para manter a sanidade fĂ­sica e mental, contribui muito para isso. Os idosos deixaram de realizar suas atividades fora de casa e, consequentemente, perdem condicionamento fĂ­sico e mental. Ganham em ansiedade e depressão", explicou o médico. Entre os casos mais frequentes que chegam à EmergĂȘncia do Evandro Freire estão idosos com fraturas e contusões, em geral ocasionadas por quedas da própria altura.

Paulo Renzo disse ter percebido também o aumento de casos de inapetĂȘncia, depressão e ansiedade nesses tempos de pandemia, o que fragiliza e até pode gerar acidentes. Ele lembrou que o cuidado com o ambiente onde a pessoa idosa vive é muito importante. Deve-se eliminar do caminho qualquer objeto que possa servir de vetor para acidentes., como tapetes e móveis em excesso.

Renzo observou que a melhor maneira de manter as pessoas idosas longe das situações de risco é dando atenção a elas, considerando, porém, todos os cuidados necessĂĄrios ao enfrentamento da pandemia. O médico destacou a necessidade de se reservar um tempo para ouvir os idosos, porque "eles tĂȘm muita sabedoria, histórias de vida e, certamente, amam compartilhar e reviver suas memórias".

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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